Matéria publicada no Jornal Pioneiro de hoje.
Um relato impressionante
Adolescente de 16 anos que foi torturado em Flores da Cunha fala pela primeira vez à imprensa sobre o caso
Ele diz não ter como reconhecer os PMs que cometeram a agressão, pois estava de bruços dentro da casa, e que também nunca havia visto os brigadianos. Ainda muito abalado, o rapaz, que faz biscates como pintor, pede justiça e tenta fazer a vida voltar ao normal.
Porto Alegre - Os cinco rapazes torturados em uma ação da Brigada Militar (BM) não souberam identificar quais PMs foram responsáveis pelo abuso cometido na madrugada de 27 de dezembro, em Flores da Cunha. No domingo, 42 policiais suspeitos, incluindo cinco oficiais, foram submetidos a reconhecimento no quartel da corporação, em Porto Alegre.
Principal vítima, o adolescente de 16 anos que teve um cabo de vassoura introduzido no ânus não conseguiu apontar de quais PMs partiram as agressões. Esse detalhe pode dar novo rumo às investigações do caso que, desde ontem, estão sendo feitas em conjunto pela Polícia Civil e pela corregedoria-geral da BM.
Depois de permanecer quatro dias no Hospital Geral, em Caxias do Sul, para tratar os ferimentos, e outros seis dias se recuperando em casa, com familiares, o adolescente decidiu romper o silêncio e falar publicamente sobre o drama vivido na companhia dos amigos. Ele recebeu o Pioneiro no final da tarde de ontem, acompanhado do advogado Marcelo Fiorese. O jovem ainda tem dificuldade para caminhar e ostenta no abdômen um corte feito durante o procedimento cirúrgico. O rapaz sem passagem na polícia detalha as agressões e o constrangimento vividos durante a tentativa de empalamento.
O menor atribui a dificuldade de reconhecer os agressores à maneira como ele e seus amigos foram torturados na casa do gesseiro Valdir Garcia de Moura, 39, autor confesso do assassinato do sargento Luiz Ernesto Quadros Mazui, 41. O adolescente teria ficado de bruços o tempo todo, algemado ao braço de outro amigo, também menor, o que impediu a visualização dos PMs. Segundo ele, as outras vítimas, Eduardo de Moura, 18, e Miler Marcante, 22, tiveram sacos de plásticos colocados na cabeça, prejudicando, também, a identificação. Porém, ele tem uma certeza: os policiais responsáveis pelo abuso não eram de Flores da Cunha.
Pioneiro: O que você fazia na casa onde mora o gesseiro Valdir de Moura (assassino do sargento da Brigada Militar)?
Vítima: Eu tinha ido na casa da Janet, que mora embaixo. Sou amigo de um dos filhos dela. Cheguei uma hora e meia antes de a confusão começar. Queríamos fazer um churrasco em um camping mas, por causa da confusão, desistimos e ficamos na casa. A gente estava no lado de fora, bebendo. Eram umas dez horas da noite. Daí, passaram os motoqueiros (dois desafetos de Valdir e de seus filhos) provocando e imaginamos que ia dar confusão. Entramos na casa.
Pioneiro: Pouco depois aconteceu o assassinato. O que vocês fizeram?
Vítima: Depois que o policial foi morto, nós ficamos todos abaixados na cozinha (no térreo). Em seguida, fomos para um quarto para fingir que estávamos dormindo. Foi a dona da casa (Janet) que pediu para a gente ir lá, para evitar qualquer confusão ou para que a polícia não ficasse pensando que a gente tinha alguma coisa a ver com a morte. Não fiquei com medo porque eu não tinha culpa. Passaram uns 10 minutos até a chegada dos PMs.
Pioneiro: Como foi a ação dos PMs?
Vítima: Primeiro, mandaram o pessoal que mora em cima descer para o pátio. Eram todos familiares do Valdir. Depois, arrombaram a porta da casa de baixo e mandaram a gente sair. Na casa estavam eu e mais cinco amigos, além da dona Janet e de um senhor de 63 anos, que é pensionista. Quando ordenaram para a gente sair, fomos numa boa. O senhor dormia e os policiais fizeram ele saltar da cama. Dali, fomos para a calçada e ficamos sentados no cordão. Um dos PMs perguntou de quem era a moto estacionada. Falei que era a minha. Passou um tempo e me chamaram para um canto. Queriam saber onde estava o Valdir. Respondi que não sabia. Daí, levaram eu e o meu amigo (outro menor) para dentro da casa do Valdir. Quando chegamos lá, já tinha mais dois rapazes no corredor e mandaram a gente se ajoelhar.
Pioneiro: Quantos policiais estavam no local?
Vítima: Eram uns 10 policiais, todos fardados.
Pioneiro: O que os policiais faziam?
Vítima: Os dois (Eduardo e Miler) estavam algemados. O Eduardo estava deitado e tinha um saco na cabeça. Davam socos, tapas, coronhadas e pontapés. O Miler, ajoelhado, também apanhava.
Pioneiro: E o que aconteceu contigo e com outro menor?
Vítima: A gente estava ajoelhado e preso na mesma algema. Um dos policiais me estrangulou com o braço (golpe de gravata) e outro colocou uma pistola na minha cara. Daí, desmaiei, sufocado. Acordei e levei novo susto porque o policial apontou a pistola na minha cabeça, engatilhou e perguntou: onde é que está o Valdir? Agora tu vais falar, tá todo mundo cansando e já chega. Fala ou já era. Eu só dizia não sei, não sei.
Pioneiro: Quanto tempo isso durou?
Vítima: Apanhei uns 10 minutos. Eles só queriam saber onde estava o Valdir.
Pioneiro: O que houve em seguida?
Vítima: Me deram mais uns tapas, me colocaram de bruços no chão e tiraram minhas calças. Um policial me segurou e o outro introduziu o cabo (de vassoura).
Pioneiro: O que eles diziam?
Vítima: Falavam só que iam me transformar numa menininha.
Pioneiro: Da onde pegaram o cabo?
Vítima: Da casa. Tiraram a vassoura e trouxeram o cabo.
Pioneiro: Você ficou consciente o tempo todo?
Vítima: Sim. Só não podia olhar porque estava de bruços.
Pioneiro: Quanto tempo essa agressão durou?
Vítima: Acho que foi uns 15, 20 minutos. Sem parar. Não posso afirmar o tempo certo, mas foi terrível. Parece que durou um ano.
Pioneiro: Havia outros policiais junto?
Vítima: Vários. Eles só olhavam e não faziam nada. Faziam piadinhas, tipo quanto tempo esse aqui agüenta (agressões), quanto tempo esse agüenta sem respirar...
Pioneiro: No momento das torturas, havia policiais também no lado de fora?
Vítima: Tinha muito policial. A gente gritava quando apanhava, gritava alto, todo mundo. Até no centro da cidade poderiam ouvir.
Pioneiro: As portas do corredor e da casa estavam abertas?
Vítima: Ficaram abertas.
Pioneiro: Onde estavam os outros policiais? Algum deles chegou a pedir para que as agressões parassem?
Vítima: Os outros ficaram surrando os guris. Pararam e nos soltaram só quando disseram que iam pegar o equipamento de choque. Daí, gelamos e ficamos com medo, mas não fizeram mais nada com a gente.
Pioneiro: Em nenhum momento ninguém interveio?
Vítima: Intervir de que jeito? Eram policiais. Até entendo o pessoal que ficou lá fora, porque não tinha como intervir.
Pioneiro: Que menção eles fizeram sobre o filme Tropa de Elite?
Vítima: Tinha um policial que coordenava as torturas. Ele dizia: zero dois, bota o saco nesse aqui. Zero dois, faz esse aqui falar. Falava igual ao filme, bem igual.
Pioneiro: Tu tinhas alguma inimizade com esses policiais?
Vítima: Não. Eu não conhecia nenhum deles. Mas posso afirmar que nenhum era de Flores (da Cunha).
Pioneiro: Quando eles desistiram da tortura?
Vítima: Não lembro ao certo. Eles só pararam quando disseram que iam pegar o negócio para dar choque na gente. Ficamos deitados e eu com a calça abaixada. Se eu levantasse para olhar, levava um tapa.
Pioneiro: Quanto tempo ficaram com vocês na peça?
Vítima: Mais ou menos uma hora.
Pioneiro: Viu se entrou algum oficial?
Vítima: Eu não posso dizer porque não consegui ver, mas o meu amigo (o outro menor) falou que tinha um que ordenava as torturas. Ele falava igual ao filme (Tropa de Elite). Não sei quem era, porque estava de bruços. Colocaram sacos na cabeça do Eduardo e no outro menor. Isso eu vi.
Pioneiro: O que tu pensavas?
Vítima: Só imaginava que tava morto, que iam nos matar.
Pioneiro: O que aconteceu depois?
Vítima: Eles voltaram e mandaram eu me vestir e encostar na parede. Ficamos todos sentados de costas para a parede no corredor.
Pioneiro: Quanto tempo mais ficaram ali, apanharam mais?
Vítima: Não, depois disso parou tudo e ficamos lá sentados no corredor mais uns 20 minutos.
Pioneiro: Entravam policiais?
Vítima: Entraram vários. Teve um que passou por nós com a filha do Valdir para pegar alguma coisa.
Pioneiro: E os agressores?
Vítima: Foram todos para fora e não voltaram mais. Outros policiais tiraram a gente da casa. Daí, fomos para o ônibus. Ficamos uns minutos lá e a conselheira tutelar levou a gente para o hospital. Fomos de viatura com a conselheira. Tinha um soldado no carro e falei para ele "tu viu o que fizeram comigo? Ele (o policial) fez uma cara assim... (expressão de surpresa)."
Pioneiro: Como foi no hospital de Flores da Cunha?
Vítima: O médico me olhou. Mostrei que estava sangrando e o médico somente olhou e deu o laudo. Só isso. Sentia dores. No outro dia fui para o hospital (Hospital Geral, onde foi submetido a uma cirurgia).
Pioneiro: E a sua família?
Vítima: Ficou muito chateada.
Pioneiro: Já manteve contato com teus amigos de novo?
Vítima: Sim.
Pioneiro: O que vocês conversam?
Vítima: Só pensamos em fazer justiça. Só isso.
Pioneiro: Por que você não conseguiu reconhecer, domingo, em Porto Alegre, quem lhe torturou?
Vítima: Não consegui reconhecer porque nunca vi eles antes. Acho que porque eram policiais de Caxias do Sul.
Pioneiro: O que você pensa sobre tudo isso?
Vítima: Só quero que quem fez isso comigo seja punido. Fiquei abalado com o que aconteceu. Isso não acontece todo dia.
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Conclusão:
Caxias do Sul é um cidadezinha interiorana de merda por que brigadiano gringo E FDP não sabe diferenciar filme de critica social e filme de treinamento de como trabalhar na brigada.
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